Vivia-se a saga da reconquista cristã aos árabes. Na região de Tomar, como em toda a zona centro do recém-criado Portugal, levantavam-se os castelos e outro tipo de fortificações que ajudavam a guardar a terra conquistada e aprisionar inimigos.
Em território tomarense a belíssima coroa de prata do império da Asseiceira, datada de 1544, reinado de D. João III, é o mais antigo, eloquente e fiel testemunho da longevidade do culto local do Espiríto Santo, aliado, desde a primeira hora, à festa do Imperador.
Até onde podemos chegar a Festa dos Tabuleiros é dedicada ao Espírito Santo. Por isso é indistintamente conhecida por Festa dos Tabuleiros, pela alteração sofrida no transporte do pão, pelo colorido, encanto e poesia os mesmos ou por Festa do Espírito Santo, não só pela tradição dos impérios mas também por influência da Rainha Santa Isabel que promoveu no Reino de Portugal "singular devoção" ao Espírito Santo. Quem conhece a Festa sente que o profano se une ao religioso, que parece haver nela, para além da influência decisiva do cristianismo, as reminiscências das festas pagãs. Tendo em conta Fernando Araújo Ferreira:
"parece haver uma sombiose entre a hora de pentecostes e a hora das searas louras, searas matizadas de vermelho de papoilas, branco e amarelo de malmequeres (...). Da pureza da pomba branca do Espírito Santo à alegria da promessa do pão, em fins de Maio ou ao correr de Junho". (cit em Ferreira, F., 1995, pá 15)Na realidade os tabuleiros de Tomar, com o seu trigo, os seus pães e as suas flores silvestre multicores fazem-nos pensar nas festas das colheitas.
A Festa ao longo dos anos
Procurar as origens remotas da Festa dos Tabuleiros é missão que se afigura extremamente difícil sobretudo quando não se conhecem estudos de investigação histórica ou etnológica mais profundos. A evolução da Festa ao longo dos anos só é conhecida pelos escritos deixados por alguns apaixonados pela nossa cidade ou através de relatos de alguns jornais de outros tempos.
Em 1879 o primeiro jornal de Tomar, "A Emancipação", dá notícia da Festa dos Tabuleiros realizada nesse ano, realizada de 20 a 22 de Junho, desfilando o cortejo numa sexta-feira.
Datando de 1895, a última Festa dos Tabuleiros realizada no século XIX, vamos reencontrar a tradição em 1901, repetida por seis vezes até 1910, ano da implantação da República.
Os reflexos da I Guerra Mundial, em que Portugal participou, justificam uma única edição da Festa dos Tabuleiros nesta segunda década do novo século, precisamente em 1914, de 28 a 30 de Junho, com passagem do cortejo ao domingo. Há ainda notícia de Festas dos Tabuleiros em 1922, 1929 e 1934.
Fascinados com as Comemoraçõe Centenárias de 1940, o Engenheiro João Simões e o Dr Fernando de Araújo Ferreira não só reuperam passo a passo todos os momentos da grande Festa como lhe criam condições de realização, transformando habilmente o que tinha sido um caso de promessa e devoção num espantoso acto cénico de deslumbrante beleza.
Dada como perdida a cerimónia de coroação, génese dos impérios, cuja realização se tinha apagado por completo nas festas realizadas dentro da cidade, previligiam o Grande Cortejo dos Tabuleiros, peça fundamental de toda a Comemoração.
O Cortejo das Coroas
Decidida a realização da Festa dos Tabuleiros em determinado ano, as comemorações só terão ínicio no Domingo de Páscoa seguinte. A Saída das Coroas, primeiro acto solene de cada Festa, destinava-se a anunciar à população da notável vila de Tomar a próxima celebração da sua Festa maior.
O Cortejo, que inicialmene saía da casa do Mordomo, guardião das coroas, forma-se agora junto da Misericórdia, fiel depositária das insígnias, dirigindo-se em seguida para a igreja de São João Baptista onde se celebra a Missa Solene do Espírito Santo na presença de coroas e pendões.
Terminada a missa o primeiro cortejo das Coroas de Domingo de Páscoa volta a organizar-se ao som de foguetes para percorrer o trajecto do próximo Cortejo dos Tabuleiros. Conhecido o precurso o povo associa-se à Festa engalanando as janelas com vistosas colchas, atapetando as ruas de folhagem e recebendo os festeiros com chuvas de pétalas.
Desde a década de sessenta do séc passado a saída das Coroas integra um pendão e uma coroa por cada freguesia do concelho dando ao cortejo uma grandiosa dimensão e tornando a Festa dos Tabuleiros um acontecimento de âmbito concelhio. São sete as saídas das coroas e vão do Domingo de Páscoa até ao Domingo de Pentecostes, variando sempre os trajectos percorridos dentro da cidade.
O Cortejo do Mordomo
"Andaram percorrendo as ruas da cidade, na segunda-feira, os bois destinados a serem sacrificados para fornecerem a carne que há de ser distribuída ao público da Festa dos Tabuleiros. Os bois são corpulentos e bem tratados. Eram acompanhados pelos membros da Comissão do Espírito Santo montados em garbosos ginetes". In jornal "A Verdade" de 30 de Junho de 1895.
Em Tomar o gado era comprado na turbulenta feira de Santa Cita onde os mordomos se deslocavam para escolher as rezes que traziam até à entrada de Tomar, junto ao Padrão, onde douravam os cornos aos animais, engrinalando-os com os festões de papel, trazendo-os finalmente para Tomar e fazendo com eles o percurso determinado para o Cortejo.
As novas regras do mercado e as actuais circunstâncias, acabariam por poupar a vida ao gado que desfila no Cortejo dos Tabuleiros.
A carne distribuída na Pêza, actual nome do que resta do velho Bodo do Espírito Santo, é modernamente comprado nos talhos de Tomar e dístribuida pelos pobres do concelho, desvirtuando pura e simplesmente as tradicionais intenções de fraternidade e igualdade que animaram o espirito-santismo ao longo dos séculos e o trouxeram até aos nossos dias.
É sem dúvida um dos mais fabulosos espectáculos de arte popular que continua vivo no espaço cultural europeu. Somatório de antiquíssimas crenças e práticas devotas a Festa dos Tabuleiros associou a temeridade dos impérios e a partilha do poder coroado com a mesa comum, abundante e fraterna, o bodo, pela partilha da mesma carne, do mesmo pão e do mesmo vinho.
O Tabuleiro de Tomar
- Armado com 5 ou 6 canas (mais ou menos à altura da rapariga a que se destina)
- Total de 30 pães (400 gr cada), "alongados e roliços, fenda no meio, sem exageros"
- A base da armação é um cesto de vime ou verga
- Ornamentação de flores, verduras e espia de trigo
- Ao alto a Coroa, encimada pela pomba do Espírito Santo, ou por uma cruz (a cruz de Cristo, de preferência, tão ligada a Tomar e à sua Ordem.
- Uma toalha bordada, de algodão ou linho, ou um bordado feito à mão para tapar o cesto.
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